quinta-feira, 27 de novembro de 2003

Belas e cinderelas

Ainda que tenha passado a maior parte da infância diante das princesas da Disney, Eliane nunca se mostrou muito esperançosa quando o assunto era amor. Primeiro foi se apaixonando, sempre de maneira silenciosa, pelos coleguinhas mais bonitos da sala, os galeguinhos de olhos azuis e traços quase femininos, os mesmos que as meninas mais bonitas gostavam; depois, para fugir da concorrência e despistar seu próprio estilo de patinha feia, passou a olhar os supostamente sem gracinha, escondidos atrás dos óculos fundos e do jeito desengonçado, até que, em dado momento da adolescência, aprendeu a não esperar mais príncipe encantado algum, desgostou dos cavalos brancos e implodiu todos os castelos. Desde então, quando muito, Eliane torce para que nos dias em que estiver sentada na janela, com o lugar vago no corredor e o ônibus de portas abertas naquelas paradas em que sobem dezenas de passageiros, o homem mais mais mais mais bonito, ao menos, sente ao seu lado. Se acontece, os chiados começam a virar rugidos.

quinta-feira, 20 de novembro de 2003

Noite

Enquanto a fumaça dos carros se misturava a fumaça dos cigarros, enquanto os cachorros latiam e protegiam a sua ninfa, enquanto os vendedores trocavam de rosto, alguns tantos olhos e um único olhar diferente dos outros. Não se esqueçam, amigos, a vodka acabou. Peguemos nossas cervejas e brindemos agora. Mantinham uma pose de bandidos burgueses que nunca os levou a lugar algum, sequer entraram em cartaz no cinema mais próximo. O tempo voa, a rua está deserta e novamente estamos ébrios. Não veriam as luzes nos velhos prédios em reforma se acenderem. Depois da canção de ninar, não esquecerão, nenhum deles, de beijar os filhos e de, antes de partirem, depositarem as memórias em parte de seus sonhos.

quinta-feira, 13 de novembro de 2003

Vertigem

Estamos esquecidos,
Revividos de sombra,
Perdendo o controle.

terça-feira, 11 de novembro de 2003

sexta-feira, 7 de novembro de 2003

Casal

Às vezes vejo dois corpos se unindo e desejo secretamente me dividir em dois.

domingo, 2 de novembro de 2003

Substituição

Dois anos foram o bastante para deixarmos nossa infância de lado, deixarmos o futebol de campo e de botão, esquecermos as longas férias na fazenda e perdermos o interesse pelos bonecos de cavaleiros do zodíaco. Desde então, ando dando pouca bola ao que ficou para trás me escondendo cinicamente na presença dos amigos que há pouco surgiram e até mesmo na penumbra dos que estão por vir. Carrego certa culpa por me sentir tão capaz e, ainda assim, incapaz de racionalizar os relacionamentos como operações matemáticas: o resultado da substituição de pessoas por pessoas sempre nos lança numa equação arriscada.