segunda-feira, 15 de dezembro de 2003

Bu!

Às vezes sinto tesão com gritos de horror.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2003

Rémy

A cada dia me convenço mais de que o pior não foi ter passado por uma miríade de 'ismos' e ter desembocado a maturidade no conforto burguês, não foi, como comentam as apaixonantes personagens de Invasões Bárbaras (Canadá, 2003), de Denys Arcand, ter sido um jovem nômade ora separatista, independecialista, ora imperialista, imperialista-associado; antes, existencialista, depois, anti-colonialista, depois ainda, marxista, marxistas-leninista, trotskista, maoista, estruturalista, situacionista, feminista, desconstrucionista. O pior, de fato, é não ter passado por nenhum desses estágios, manter-se na suspensão perpétua de quem nasceu depois das grandes ideologias; não poder contar, na condição de avô sentado numa cadeira de balanço perto da fogueira, histórias de 'quando mudei o mundo' durante a juventude. Sinto um temor imenso, me controlei bastante para não chorar no cinema, chorar pelo tempo errado que parece contaminar cada espaço vazio: aliás, ultimamente, na falta de uma crença, ou de várias delas, tenho acreditado mais e mais que minha geração inteira vai morrer de câncer.

domingo, 7 de dezembro de 2003

Vazio


É um vazio.

Sou o afeto no olhos refletidos pelo vidro da janela, as palavras de desprezo soltas no vento e o eco dos intermináveis passos num corredor sem fim. Sou a inofensiva bolinha de papel batendo no seu rosto, o cuspe escorrendo de seu queixo e o Judas enforcado pelo fio do telefone.

É um vazio. Um vazio tão imenso que vai além dos contornos de meus dedos. Um vazio que pinga, que apaga as luzes dos postes e que esquece de trazer o amor para o seu seio. É um vazio que dói, que desanda nos passos da dança, que nos chama de tolo e corre em passos de lebre. É um elefante no meio da sala, uma pressão que me estala. É o medo de viver.

É um vazio. Um vazio que fere a minha carne, que cospe no meu rosto e beija a minha boca no banheiro. É vazio que se faz culpa pelos livros, que faz da biblioteca desperdício, é a vontade de se vingar. É um vazio que passa invisível, que torce o nosso corpo e desliza sem sentido. É um elefante em cima da mesa, um choro de tristeza. É o ímpeto de fim desde o começar.

É um vazio. Um vazio na falta de ar, na ausência de palavras a se dizer, na lembrança das eternas quedas e no anseio por dormir no chão. É um vazio ao lado da cama, do telefone que nunca descansa e do abandono que não deveria existir. É um vazio nas ameixas pisadas, nas amizades deixadas. É um elefante na minha cabeça, um momento de total estranheza. É o futuro perdido em minhas mãos.

Sou a loucura da existência, o delírio do vazio dos anjos e um tiro em câmera lenta. Sou o esquecimento da lembrança, a última angústia de uma ânsia, o som de Beethoven mal tocado em meu piano.

É um vazio.

(Sensações pós-sessão de Elephant (EUA, 2003), de Gus Van Sant)

sexta-feira, 5 de dezembro de 2003

Respeito

Impossível não desenvolver carinho pela pessoa com a qual você descobriu a singular alternância entre os dias em que encarnamos o ilusionista e os outros em que nos rendemos à ilusão.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2003

Platonismo

Ele não se conforma com a condição de conhecê-la há poucos meses e sentir o seu desprezo como se a amasse há séculos.