quinta-feira, 19 de fevereiro de 2004

Rock in the Casbah

Começa com três acordes de guitarra no repeat e, por muito menos, Matheus já estava mexendo o corpo sem qualquer senso de harmonia, extrapolando o jeitão estranho de observar as pessoas em sua volta, mantendo os olhos semicerrados e o volume gigante na calça apertada. Quando se cansava, meio por causa do efeito das drogas, meio pela vontade de pagar de gatão, encostava uma das botas de couro preto num poste, às vezes numa parede toda pichada. Colocava os óculos escuros e emulava sua postura a partir das fotos de seus ídolos. Antes, só curtia um baseado, mas quando se aproximou do punk inglês, do que chamava de verdadeiro punk, o baseado caiu no anacronismo, só conseguia ficar chapado com coquetéis de remédios derretidos numa colher e enfiados em suas veias. O emagrecimento brutal foi apenas uma das consequências.

O som de sua antiga banda, com letras superficiais, compostas de palavrões e palavras de ordem, expunha tudo que ele sempre quis expor. Arrastava uma corja de idiotas, lançava estilo entre os mais novos e como um bom vocalista pulava,  jogava-se no chão, berrava e olhava nos olhos de sua garota, dedicando duas ou três canções para ela, o que lhe rendia nove ou dez ótimas transas nos dias seguintes. De quando em quando pegava outras no banheiro do metrô. Acontece que era um cara solitário, só poderia chegar sozinho em seu destino, acordava, dava dois ou três gritos e colocava todas e todos para fora. Matheus passou o começo da vida adulta preso entre o lixo e a fúria, tão inquieto que o descanso costumava lhe causar um estranho tipo de desconforto. Mudava as trancas de seu apartamento regularmente e às vezes passava dias acompanhado apenas de uma seringa.

O santinho do pai que lhe espancara inúmeras vezes na infância estava no bolso da calça quando Matheus perdeu os sentidos pela última vez. Realmente tinha extrapolado: passara a semana com as mesmas roupas rasgadas, visitara todos os bares da cidade com um whisky barato nas mãos, trocou sua televisão, seu tapete persa e sua guitarra. Ainda assim, as garotas comentavam sobre um charme da decrepitude. Acontece que ele nunca mais tinha tido uma transa boa, estava rodeado de prostitutas, sua banda tinha acabado, ele tinha sido expulso, Sid Vicious estava morto e ele não tinha mais quem emular. Tentou sair, abrir a porta, comer uma maça, recuperar as forças, ouvir o som, abrir os olhos. Não tinha volta, não havia palco, cena, nada. Apenas um colchonete e um cheiro de cadáver que se arrastou por três semanas até alguém chamar a polícia.

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