domingo, 30 de abril de 2006

Laboratórios

Apenas frequentando a comunidade do Coque, andando pelas vielas, entrando nas casas, se aproximando das pessoas e deixando o receio de lado para transfigurar o olhar conformado de quem passa por cima do viaduto. São vontades de aproximação e expressão bem distintas: uma é ler nos periódico matinais alguma notícia sensacionalista, cheia de clichê e preguiça sobre o bairro, outra é estar diante de uma senhora que viveu todo estigma ou de rapaz que ao comentar 'o que é ser jovem no Coque' afirma que é 'olhar para as fotos de infância e notar que quase todos seus amigos, daquela época, estão mortos'. O Coque é um borrado do que vemos no jornal e uma paisagem completamente diferente: nas folhas sujas não vemos o ensaio de uma banda de garagem na calçada de casa, os instrumentos precários, poucos amigos em volta, um ou dois vinhos baratos, uma música pesada, irônica, intensa. “Desculpem o inglês, mas é que eu nunca pude fazer um curso no CCAA” fala Sérgio, o vocalista, antes de iniciar um cover de Led Zeppelin. O primeiro momento na criação do jornal laboratório Coque pelos alunos do sexto período de jornalismo da Universidade Federal de Pernambuco (2005.2) e pelos jovens colaboradores da comunidade foi de nossa visita ao espaço tão tripudiado pela mídia, visita regular para alguns, cada vez mais raras para outros. No segundo momento, invertemos a direção: os jovens vieram até a universidade, visitaram nosso departamento, nossos corredores, ficaram alocados especificamente no laboratório de informática. Incorporamos a posição de orientadores na produção de seus textos. Trabalhei diretamente com Junior, rapaz cuja experiência de violência e drogas remonta aos primevos anos de sua vida, e diante do computador, revelou o receio de tocar na máquina. De início não entendi a precaução, mas logo notei que se tratava de um sentimento de não-pertencimento misturado ao medo de terminar quebrando alguma coisa. Um medo muito ingênuo, mas exemplar da rígida e cruel divisão social. Tive que insistir muito até que ele aceitasse escrever o seu nome. Não demorou muito até atravessarmos o espelho.

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