domingo, 27 de abril de 2008

Mostra

Acho que o melhor de ontem - além de chegar com os ingressos esgotados, conseguir entrar e entrar de graça - foi perceber algumas reações de um distinto senhor sentado ao meu lado. Primeiro ele reclamou da música irritante e depois do atraso. Em dado momento da espera, olhou o relógio mais uma vez e resmungou que aquilo não era comum na Fundaj. Concordei, lógico. Tenho simpatia ilimitada por velhos ranzinzas: é quase como vislumbrar um pedaço do meu futuro. Pelo tom da conversa com a mulher que o acompanhava, ele - o senhor - frequentava semanalmente aquele espaço e não tinha resquício de noção da chacota que é o Cine PE. Para os que não sabem, vale só lembrar que o atraso é o menor dos problemas. Como de rotina, rolou as apresentações iniciais - aos quais não vou me deter - e, quando os filmes começaram, tudo ficou mais engraçado. O senhor bateu palmas receosas para o primeiro; estalou os dedos e não bateu para o segundo, bateu no mesmo ritmo do resto da sala eufórica no terceiro, bateu de leve, quase alisando os dedos para quarto, fez várias caretas de gosto e desgosto ao término do quinto e foi ao banheiro e nunca mais voltou no meio do último. Claramente ele estranhou o ritual de comportamento da platéia do festival e admito que até hoje, faço graça das palmas, mas também não sou chato ao ponto de não me deixar levar. Aplaudo quando sinto vontade de aplaudir, imito o 'cri cri cri' do grilo, fico em silêncio, choro, faço piada, mando tomar no cu. Parafraseando Baixio das Bestas (rá), o bom do Cine PE é que nele você pode fazer o que quiser.

Pra facilitar a minha vida, a sua, a dele vamos ao resumo da programação da noite: só gostei bastante do filme sobre Miró, dirigido por Wilson Freire. O que me surpreendeu. Achei o documentário apressado, debochado, um tanto brega e fundado num discurso de cosmopolitismo periférico que casa perfeitamente com o ritmo do próprio poeta. Além disso, o filme expõe enquadramentos espertos em cenários visualmente banalizados para nós, recifenses. A Ponte ou o Mercado da Boa Vista, por exemplo. O que mais me chamou a atenção foi a própria maneira de conduzir a obra, porque inicialmente achei que a figura de Miró poderia suplantar tudo, inclusive o diretor. E isso não acontece. Pelo contrário: há um senso de espaço compartilhado para ambos. O que dá uma leveza, espontaneidade e naturalidade ao andamento. O tal alegrismo que ele fala. Se existe essa beleza mais formal na obra - que falha um pouco na edição apenas, também temos tudo que poderíamos previamente esperar e que não poderia deixar de ter. Aí colocamos a poesia corporal do cara, as histórias pesadas, as piadas ótimas, os inventos, as figuras e mesmo as presenças ilustres, Jomard, França, Lucila. O Recife sujo, belo e as mesas de bar. Se a Mostra Pernambuco fosse um bolão seria Miró na cabeça sem perder de vista, Paulo e Daniel. Pois é, os apóstolos. Engraçado que ambos foram traídos justamente pela palavra: o primeiro por usá-la excessivamente através dos cartazes e o segundo por forçar um teor poético poético desnecessário no off. Os outros três, eu prefiro nem comentar. Só acho que A Última Diva vale alguma atenção pelo que a própria diretora falou no começo: o resgate histórico. Ponto. Feito o resgate, tchau.

Só pra terminar esse comentário, não posso esquecer de falar que do meu outro lado, o esquerdo, tinha uma possível jornalista sentada: olhos na tela, mão no lápis, lápis no caderninho. Eu já estava bocejando de tédio, quando seu braço esbarrou no meu e a percebi escrevendo, depois virando página, tudo sem tirar o olho do filme. Juro que aquele modos operandi só me remeteu a Chico Xavier. Uma espécie de psicografia cinematográfica.

Estou oficialmente sem saco algum de escrever sério e centrado, como bom rapaz de óculos que sou, no Dissenso, então provavelmente vou repetir esse post nos comentários e assinar como jurubeba brasil.

Nenhum comentário: