segunda-feira, 23 de março de 2009

UFPE

"Por que não exercem em nosso país aquela influência de reguladoras da vida cultural que exercem em outros países? Um dos motivos deve ser buscado no seguinte: nas universidades, o contato entre professores e estudantes não é organizado. O professor ensina, de sua cátedra, à massa dos ouvintes, isto é, dá a sua lição e vai embora. Tão-somente na época da apresentação da tese é que o estudante se aproxima do professor, pede-lhe um tema e conselhos específicos sobre o método da pesquisa científica. Para a massa dos estudantes, os cursos não são mais do que uma série de conferências, ouvidas com maior ou menor atenção, todas ou apenas uma parte: o estudante confia nas apostilas, na obra que o próprio professor escreveu sobre a matéria ou na bibliografia que indicou. Existe um maior contato entre os professores individuais e estudantes individuais que pretendem se especializar numa determinada disciplina: este contato se estabelece, no mais das vezes, casualmente, e possui uma imensa importância para a continuidade acadêmica e para o destino das várias disciplinas. Ele se estabelece, por exemplo, graças a causas religiosas, políticas, de amizade familiar. Um estudante torna-se assíduo de um professor, que o encontra na biblioteca, convida-o para casa, aconselha-lhe livros para ler e pesquisas a tentar. Cada professor tende a formar uma "escola" própria, tem seus pontos de vista determinados (chamados de "teorias") sobre determinadas partes de sua ciência, que gostaria de ver defendidos por "seus seguidores ou discípulos". Cada professor pretende que, de sua universidade, em concorrência com as outras, saiam jovens"distinguidos"que dêem sérias"contribuições" à sua ciência. Por isso, na própria faculdade, existe concorrência entre professores de matérias afins na disputa de alguns jovens que já se tenham distinguido por causa de uma recensão, de um artiguinho ou em discussões escolares (onde elas são realizadas). Neste caso, o professor realmente guia o seu aluno; indica-lhe um tema, aconselha-o no desenvolvimento, facilita-lhe as pesquisas, mediante suas conversas assíduas acelera a formação científica dele, faz-lhe publicar os primeiros ensaios nas revistas especializadas, coloca-o em contato com outros especialistas e se apodera dele definitivamente. Este costume, salvo casos esporádicos de igrejinhas, é benéfico, pois completa a função das universidades. Deveria deixar de ser fato pessoal, iniciativa pessoal, para se tomar função orgânica: não sei até que ponto, mas parece-me que os seminários de tipo alemão representam esta função ou buscam desenvolvê-la. Em torno de certos professores, há uma disputa de pessoas que aspiram atingir mais facilmente uma cátedra universitária. Muitos jovens, pelo contrário, particularmente os que vêm dos liceus provincianos, são marginalizados tanto no ambiente social universitário quanto no ambiente de estudo. Os primeiros seis meses do curso servem para uma orientação sobre o caráter específico dos estudos universitários, e a timidez nas relações pessoais nunca deixa de existir entre professor e aluno. Nos seminários, tal coisa não se verificaria, ou pelo menos não na mesma medida. De qualquer modo, esta estrutura geral da vida universitária não cria, já na universidade, nenhuma hierarquia intelectual permanente entre professores e massa de estudantes: após a universidade, mesmo aquelas escassas ligações se relaxam e, em nosso país, inexiste qualquer estrutura cultural que se apóie sobre a universidade. Foi este um dos elementos que determinou a sorteda dupla Croce-Gentile, antes da guerra, na constituição de um grande centro de vida intelectual nacional; entre outras coisas, eles lutavam também contra a insuficiencia da vida universitária e contra a mediocridade científica e pedagógica (e mesmo moral, por vezes) dos professores oficiais".

Antônio Gramsci, Os Intelectuais e a Organização da Cultura, Pag. 146/147.

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