quarta-feira, 28 de abril de 2010

Testamento

Aparentemente desde que entrei no ritmo frenético de escrever minha dissertação, algo que durou cerca de três meses inteiros, agora já defendi, estou livre, imagino que os leitores, transeuntes e viajantes tenham ficado com a péssima impressão de que abandonei o blog. Para meio que sanar qualquer espécie de equívoco de quem argumenta sem o olho de tandera, saibam que além de reorganizar uma série de detalhes deste espaço (tags, criação do flickr, padronização da letra, ajuste no tamanho dos vídeos) tenho me dedicado a uma tarefa de profundo envolvimento afetivo. Pois é, como sou um daqueles rapazes que sempre se afunda na nostalgia quando precisa lidar diretamente com a aspereza do futuro, já há alguns meses tenho percorrido os meus escritos do passado, passado negro muitas vezes, visitando blog a blog abandonado, arquivo a arquivo dos meus backups, coisas salvas nos emails - até na porta do fotolog fui bater - de forma que ao descobrir que podia mudar a data dos posts, me entreguei completamente ao árduo trabalho de transferir e metamorfosear boa parte desse conteúdo para cá. Um dos estímulos primordiais foi o simples medo de perder alguns escritos que foram extremamente importantes em determinados momentos da minha vida, que me passam uma compreensão transcendental de quem sou, impedindo o esquecimento do frescor e dos clichês de cada ano que passei. Além disso, sou traumatizado por estar no grupo de pessoas que já perderam mais de uma vez tudo que tinha no computador e simplesmente imaginei que publicado, não correria esse risco. Diferentemente do protagonista de Cinzas do Passado (Hong Kong, 1994), de Wong Kar-wai, que toma um vinho do esquecimento por acreditar que a raiz de todos os problemas do homem são gerados pela memória, há um interesse imenso da minha parte de que o Velhos Hábitos assuma de uma vez por todas o caráter de testamento que sempre procurei imprimir em todos os espaços virtuais pelos quais passei e me apeguei. Há antes de tudo uma vontade arqueológica pessoal que pode ser batizada de egolombra pelos mais chatos do signo de áries.

Nunca fui muito bom com títulos, muitos deles foram escolhidos prematuramente e abandonados antes do nono mês, ainda assim me sinto emotivamente vinculado a cada um deles: Notas Perdidas e The End quando montava os layouts mais afetados e venerava alguns filmes que tenho certa vergonha de admitir; Second Scene que não durou quase nada, mas que revelou minha paixão por Visconti; Caim and Abel que era só Caim e Lost Highway quando David Lynch devassou a minha perspectiva da representação irreversivelmente. Velhos Hábitos é, de fato, o nome que me parece mais etéreo, o que cultivei com mais carinho e por isso decidi apostar nele em definitivo. Não lembro de onde tirei, mas sem dúvida faz referência aos tiques de personalidade que ano a ano abandonamos ou renovamos. Oficialmente o primeiro post do blog foi em 28 de abril de 2007, há três anos, dizendo que tudo começa com alguns minutos de atraso, mas depois de minhas investidas, o início deu alguns passos para trás, para abril de 2003, defendendo que adoro criar as coisas só para depois ter o prazer de destruí-las. Aproveitei a instiga de revisão e rememoração para publicar algumas ideias que se mantiveram por muito tempo como rascunhos, quase cinquenta permanecem nesse estado. É o limbo das palavras. Por fim, vale dizer que nessa aventura pulando de lembrança em lembrança, usei de metodologias bem distintas: 1. publiquei textos na íntegra sem qualquer tipo de alteração póstuma; 2. publiquei parte de textos editando levemente ou 3. reescrevi alguns a partir do que a leitura atual me remetia. Tentei ser o mais honesto e ainda está bem incompleto, falta realmente muita coisa, outras tantas vão continuar de fora porque tenho um mínimo de vergonha na cara, mas no que for minimamente especial mesmo dentro de sua pontualidade, vou colocando como quem preenche as lacunas aos poucos, sem pressa, como um bom boêmio que senta no bar e pede a primeira cerveja da noite. Devo ter postado cerca de 100 aforismos, devaneios, ensaios, microcontos, relatos do cotidiano, correspondências, críticas, crônicas e afins nesse meio tempo e sim, só para constar, voltarei, como deve ser, aos posts novos. Nostalgia, nostalgia, mas uma boa dose de presente não faz mal a ninguém.

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