segunda-feira, 26 de julho de 2010

O pai estava com o filho de catorze anos na moto. Um policial imagina que estão armados, persegue, supostamente pede para estacionarem e resolve atirar no pneu. Acerta na nuca do adolescente. Após atestar a morte, a viatura se manda com o responsável pelo tiro. O pai aproveita a fuga dos fardados, que tinham isolado a área com fitinhas amarelas, para passar quarenta minutos abraçado com o corpo do filho no meio da rua. Uma multidão de curiosos cerca o lugar. Eis então, que surgem, com baldes d'água na mão, algumas freiras da Paróquia São Vicente de Paulo: vão até o pai, levam ele pela mão até a calçada e lavam o seu corpo ensangüentado. O pai quase sem voz diz não ter escutado o pedido do policial, voltava de um serviço, o filho estava aprendendo a ser técnico de refrigeração. A caixa de ferro estava aberta e as ferramentas espalhadas pela rua.

domingo, 25 de julho de 2010

¢

Um tanto condicionado pela vontade de partir, a cada dia que repito o mesmo lugar, imagino um outro, inelutavelmente distante e desconhecido, desaparecer. É como se o tempo de desbravar o mundo, um sétimo continente que seja, estivesse, como uma ampulheta num filme de aventura, se esgotando pouco a pouco. Para quem passou tantos anos vivendo na mesma casa, ligado profundamente a uma recorrência das mesmas cerimônias, é quase como se tivesse cultivado uma bela de uma bolha que está prontíssima para estourar. Nunca pensei que o sedentarismo iria me consumir como um terrível monstro mitológico.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Delírio

Da noite de ontem pra hoje, como tem sido recorrente nos últimos meses, dormi uma vez, acordei, estudei duas horas e dormi de novo. Ritmo bem doido, eu sei. Contudo, o que importa aqui não são as recomendações para uma noite feliz e agradável, mas os sonhos no brain. Assim, na primeira parte, eu estava em casa, de madrugada, sozinho, assistindo na televisão um programa de auditório apresentado pela Xuxa, cujo plot era uma disputa de dança contemporânea entre Hebe e Ana Maria Braga: a segunda usava uma roupa meio sadomaso e caía no chão várias vezes - as paredes estremeciam com aquela risada terror dela - a primeira, por sua vez, ficava fazendo umas caras estranhas, faltava ar, babava e nem sempre a câmera conseguia disfaçar quando a centenária precisava acionar a assistência médica. Não lembro quem ganhava, só sei que, quando a Xuxa pedia pra platéia bater palmas, a Hebe torcia pela adversária de uma forma completamente lunática - algo mais na linha Samuel Fuller (Paixões que Alucinam) que Milos Forman (Um Estranho no Ninho). Daí acordei, terminei de ler um artigo no googlebooks, lavei os pratos, joguei fora o que tava estragado na geladeira, copiei uns filmes, estudei mais um pouquinho e dormi novamente. Sonhei que uma amiga, e vale ressaltar que ela nem mora mais em Recife, decidia porque decidia comemorar seu aniversário num bordel do centro, daqueles que ganham na revista Veja, sem ser em época de eleição, o prêmio de lugar mais decadente da cidade. Só que ela esquecia de visitar o lugar antes, sondar a realidade, sequer comunicava ao dono sobre a realização da festa, daí os amigos começavam a chegar com suas roupinhas de marca e rolava o choque de ambos os lados: habitués e forasteiros pareciam disputar cada metro quadrado com o olhar. Obviamente a desconfiança só durava poucos minutos, logo na sequência tinha menina, cafuçu, bicha e grilo dançando no queijinho, novos melhores amigos cantando no karaokê, um mar de cervejas, cachaça de cortersia, gente de ambos os lados compartilhando todo tipo de conversa e mesa. Derby era bóia e ninguém negava. Tava uma vibe desesperada todo mundo querendo ser puta e esse meio que virou o tema da festa. Só que aí, de repente, rolava um sumiço generalizado, inclusive da aniversariante, óbvio, e eu ficava doido com a conta na mão andando de um lado para o outro na calçada do bordel. Quem terminava pagando era a minha mãe que surgia Deus sabe de onde pra me salvar. R$ 80. Acordei só pensando numa coisa: ainda bem que a cerveja era barata.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Blacklist

Acabei de descobrir que dentre as teorias sobre o regimento da lista negra de possíveis comunistas e colaboradores infiltrados na indústria do entretenimento norte americana do pós segunda guerra - uma espécie de macarthismo especificamente direcionado aos roteiristas - existe uma que nega a simples relação governamental dos estúdios com as diretrizes de segurança nacional lançadas pelo Estado. No livro An empire of their own: how the jews invented Hollywood, o autor Neal Gabler afirma que, na verdade, a lista negra, que aterrorizou alguns, gerou conflitos morais e alavancou a carreira de outros, usou do anticomunismo e do macarthismo para enevoar o duelo real que ocorria nos corredores dos sets, na formação das equipes técnicas, nas festas, no glamour, na ascensão de uma profunda crítica ao sistema cruel, efêmero e ilusório das estrelas. Para ele, o que moveu a blacklist foi a determinação da primeira geração de judeus e seus descendentes - Adolph Zukor, Carl Laemmle, Louis B. Mayer, the Warner Brothers e Harry Cohn - em expulsarem, por auto proteção e receio no controle da imagem límpida, dos negócios e da criação artística, o enxame de judeus-escritores que tinham imigrado para os EUA durante e após o conflito na Europa. Trata-se de uma hipótese que denota uma espécie de anti-semitismo praticado por judeus, movido em grande parte para firmar o poder, mas também pela segunda geração carregar consigo uma carga de experiências dolorosas que naturalmente refletiam uma perspicácia em suas criações, mas que não interessavam muito aos projetos enquadrados de felicidade do sonho cinematográfico. Pois é, bem doido, mas o único fato dessa história toda é que adoro uma teoria da conspiração.

domingo, 4 de julho de 2010

travessuras

sopa de ervilha, bolo de cenoura,

ziquizira,

bandolim.

pão de avéia, guarabrahma,

remelinha,

trampolim.

peito de moça, jambo roxo,

malamanhado,

chapolin.

lasanha fria, tanajura e farinha,

rafaméia,

pirlimpimpim.

mel de abelha, pó de flu,

suco de mangaba

- ariano, varzeano, marciano -

estopim!

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Artigo

Estou esperando há algum tempo para divulgar a publicação do artigo 'Consumo cinéfilo e cultura contemporânea: um panorama", recorte quase completo da introdução de minha dissertação de mestrado defendida em março. O artigo está disponível online no volume 17 da revista Logos vinculada ao Programa de Pós Graduação em Comunicação da UERJ. O tema desta edição semestral é 'Comunicação e Audiovisual' e teve como editor convidado o Prof. Dr. Erick Felinto. Segue o resumo:

O presente artigo introduz o leitor no universo da cinefilia que usa da internet como cinemateca colaborativa universal, colocando suas práticas de consumo em diálogo com discussões indispensáveis para entender a cultura contemporânea. Será focada a dimensão de cidades periféricas, onde espectadores conduzem suas buscas pela raridade dos filmes, fraturando o cenário de programação regido pela lógica dos Multiplex, cujas grades são montadas a partir da provável rentabilidade dos filmes.

Aqui o link direto.