domingo, 3 de abril de 2011

Notas sobre Craven

(Publicado originalmente no Filmologia)

Wes Craven é um daqueles diretores que, com a mesma intensidade passageira, pode nos agraciar com uma produção genial ou constrangedora: Aniversário Macabro, A Hora do Pesadelo e a Trilogia Pânico mantêm seus status inabaláveis na primeira categoria, enquanto Amaldiçoados (EUA, 2005) encabeça sem discussão a segunda. A tentativa de recriar ou atualizar o imaginário dos filmes de lobisomem, utilizando do humor incontestável da dupla Williamson-Craven, não consolida uma condução ou condição inovadora, como fez em obras anteriores, lançando apenas jovens bons atores (Cristina Ricci, Jason Eisenberg, Joshua Jackson) nos velhos clichês do segmento. Claro que o filme contém bons momentos, especialmente até pouco depois da batida de carro que ocasiona a contaminação dos protagonistas, existindo uma obscura intenção em diversificar as origens da ameaça que espreita para além da obviedade dos licantropos. Depois o ritmo vai caindo gradativamente, a narrativa fraca não encontra suporte nos diálogos pretensamente descolados, a câmera vai abdicando até se cansar, o que ao menos funciona como uma documentação dos problemas de produção enfrentados pelo filme. Quase metade das cenas tiveram de ser refilmadas por conta de mudanças no elenco, o que ocasionou revisões e mais revisões no roteiro e um atraso de mais de um ano no lançamento da versão-final. Seja como for, os contos de lobisomem sempre soaram inofensivos, a própria gênese da criatura nunca despertou uma complexidade estética como nas obras protagonizadas por vampiros ou política nas protagonizadas por zumbis (e vice-versa). Sem contar que os efeitos especiais são, de maneira recorrente, de uma artificialidade tosca. Wes Craven continua fazendo seus filmes de terror para adolescentes, só que na última década parece esperar menos de seu público, subestima, mastiga, explica excessivamente: termina não contemplando nem sua prioridade contemporânea, para não admitir sua própria idade, é natural que os jovens pareçam mais idiotas, menos ainda os nostálgicos adolescentes das décadas anteriores.

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Dizer que o curta de Wes Craven não é o pior de Paris, Eu te Amo (2006) realmente está muito longe de ser um elogio: o projeto que procurava homenagear a cidade-luz acabou se transformando num daqueles cavalos-de-tróia enormes, em que a homenageada termina na sarjeta enxugando lágrimas falsas. Talvez esteja sendo injusto com um ou dois cineastas, uma ou duas produções, mas admitindo uma carga de grosseria, só existem três trechos realmente bons: o dirigido pelos Irmãos Coen, o por Gus Van Sant e, talvez seja complacência, o por Walter Salles / Daniela Thomas. Infelizmente não é o caso de comentá-los. O caso é Pére-Lachaise, de Wes Craven e aviso de antemão que está no grupo dos piores. O título é uma referência a um dos cemitérios mais famosos do mundo, local onde estão enterrados três de cinco grandes intelectuais do Ocidente, cenário que pertence a um largo imaginário coletivo, cinematográfico ou não. É também onde se passa a trama de fim e reconciliação de um casal: a mulher quer visitar a lápide de Oscar Wilde, o homem acha uma bobeira, eles caminham juntos, ele é insensível, ela decide não se casar por ele ser incapaz de fazê-la rir, ele encontra a alma do escritor britânico (“a pior morte é a do coração…”), corre para se desculpar com palavras bonitas e o final feliz estampa a tela. A proposta beira a mediocridade de tal forma que até pode sugerir que Craven está falando sobre si mesmo, sobre uma crise criativa, sobre sua recém incapacidade de fazer seus espectadores rirem com seus filmes. O mestre do horror não poderia escolher outro lugar além de um cemitério no intuito de se inspirar. Um amigo que estava na França vivendo um sentimento de exílio como se fosse um filho da ditadura, mesmo que não passasse de uma viagem de férias – isso me parece engraçado – sentava horas na frente do computador. Eu costumava reclamar por ele não sair por aí e conhecer Paris, ele respondia cândido que tinha visitado a lápide de Jim Morisson três vezes na última semana, descrevia as belezas de Pére-Lachaise e dizia que isso lhe bastava. Toda minha curiosidade dessas conversas desapareceu. E se no filme, o diretor norte-americano recorre ao espírito de Oscar Wilde, talvez tenha conseguido estimular uma morbidez extra-diegética da minha parte: imagino os vermes e os cadáveres de vermes se revirando na cova.

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